terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Fragmento 22

Fragmento 21

Coimbra, terra cantada a fado triste... Margens esquecidas de um Mondego ido que corre sonolento e fatigado para descansar na foz da sua morte.
Num inverno de solidão, os pássaros deixaram de cantar e a chuva cai insistentemente, martelando no chão farto a sua angústia.
As árvores ora nuas prantam na terra as suas lágrimas feitas de folhas secas e velhas. E eu olho molemente os dias cinzentos. E a chuva continua a cair, como se fosse chamada a ser sepultada neste chão frio de inverno, inverno de solidão...
Os transeuntes acotovelam-se nas ruas apinhadas, guarda-chuvas hirtos, para escaparem à chuva fina deste inverno aquoso, escondendo a face do vento que os fustiga. Por entre a multidão, antevejo um rosto de criança, um rosto vulgar de uma criança qualquer. Levava de encontro ao peito algo que não consegui perceber.
Repentinamente um sentimento em mim nasceu, nutrido para com aquela criança de rosto vulgar. Era uma criança como tantas outras, que sente naturalmente a dor de existir mas que, na sua inocência de menino-homem carrega esse outro fardo que é não saber que a sua vida já se perdeu, algures, entre a placidez de um momento e o futuro de uma existência que está por vir e que, por isso mesmo, ainda não é...

20 de Janeiro de 2010